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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

A dor


Dizem que é na dor, e não na alegria, que crescemos, amadurecemos e evoluímos. Não falo da dor física, resultante de uma martelada no dedo ou uma torção no tornozelo. Refiro-me à dor moral, da alma; à sensação de que não vale a pena existir; à dor causada pelo vazio interior profundo e absoluto, para as quais não há transplantes nem ataduras.

O pressuposto de que é no sofrimento que nos aprimoramos parece ser aceito por todos e, nesse sentido, valeria para todos. No entanto faz mais sentido em relação aos artistas. Ferreira Gullar observou que a relação entre a dor - o sofrimento, a infelicidade - e a arte parece geralmente admitida, “embora não se saiba se essa relação existe e, no caso de que exista, de que tipo é”.

O poeta maranhense notou também que parece certo que os momentos de tranquilidade satisfeita não são estímulos habitualmente geradores da obra de arte. “As pessoas extrovertidas, que se satisfazem com atividades esportivas ou semelhantes - caracterizadas mais pela ação do que pela reflexão - não costumam se dedicar à atividade artística. Porém não só essas; de modo geral, qualquer pessoa que se sinta vivendo um momento de felicidade e plenitude, dificilmente sentirá necessidade de produzir arte, mesmo sendo artista”.

Desta forma, diferentemente da dor física – que nos obriga a tomar um remédio – para a dor da existência quase nunca há remédio, o que “obriga” o artista a pintar um quadro, compor uma canção, escrever um poema. A arte – nesse sentido – é o resultado da reflexão sobre o abismo existencial, isto é, sobre a fragilidade da condição humana.

E não faltam exemplos práticos para demonstrar a estreita relação entre a arte e o sofrimento. Dizem que foi na dor extrema que Jacques Brel compôs “Ne me quitte pas”, uma das mais belas músicas de todos os tempos. Trata-se de uma canção desesperada, que narra o sofrimento de Brel após ser abandonado pelo grande amor de sua vida, a atriz Suzanne Gabriello.

Não fosse a dor existencial, possivelmente Paulo Leminsk não teria produzido o belo poema Dor elegante. “Não me toquem nessa dor/ Ela é tudo o que me sobra/ Sofrer vai ser a minha última obra...”

Não se sabe o que levou Marisa Monte e Nando Reis a compor De mais ninguém, mas há quem veja na letra dessa música muito sofrimento, como se denota nos versos seguintes: “Se ela me deixou, a dor/ é minha só, não é de mais ninguém. Aos outros eu devolvo a dó//, Eu tenho a minha dor...”

Mas nem todo mundo é artista. Nem todos são capazes de traduzir em arte a dor que sentem. No meu caso, ao ver que os olhos castanhos que amei miravam em outra direção, não consegui pintar um quadro, compor uma canção ou escrever um poema. Apenas me entreguei à dor...

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