|
Ruffato diz não ter vocação para blogueiro |
O escritor Luiz Ruffato
conta que descobriu, frustrado, não ter vocação para blogueiro. Em viagem a
Lisboa para atualizar um blog e escrever um livro, como parte do projeto Amores
Expressos, ele disse que não via nada de interessante que pudesse ser
comunicado a outras pessoas.
“Lisboa tem sol, mas não
calor ainda... tem luz e cheiro de sardinha nas ruas, encontro com os amigos,
converso com eles sobre projetos, mas nada que gostasse de dividir... sinto que
em minha vida de viajante nada ocorre de interessante...”
Descubro que também sou
péssimo blogueiro. Não tenho sobre o que escrever; fico horas parado em frente
ao computador (em plena madrugada) sonhando acordado com a palavra certa, o
parágrafo perfeito, o texto definitivo. E nada!
Li em algum lugar uma
entrevista do escritor Carlos Heitor Cony na qual ele diz que para escrever é
preciso estar cheio – no sentido de pleno. Estou vazio! Para me “encher” pego
um livro da minha pequena biblioteca, se é que se pode chamar assim... São
Bernardo, Graciliano Ramos. Que inveja do velho Graça. Esse sim tinha texto conciso...
Era um cortador de palavras. Fecho o livro.
|
Para Armando Nogueira, frase deve ser atribuída a Ruskin |
“Escrever é a arte de cortar
palavras”. De quem seria esta frase? Sempre a atribuí a Carlos Drummond de
Andrade. Mas o mestre Armando Nogueira dá conta de que o autor dessa preciosa máxima não é o grande poeta
mineiro. Confesso que fiquei decepcionado com a descoberta.
Continuo minha busca pelo autor
de ensinamento tão sábio. Saudade da Britânica, que dava um banho nesse Google. A velha enciclopédia não será mais
publicada em versão impressa – após 244 anos desde
que seu primeiro exemplar foi publicado.
Melhor esquecer o buscador e
a enciclopédia e voltar ao velho e bom Armando Nogueira. Ele chegou à conclusão
de que a frase deve ser atribuída ao escritor inglês John Ruskin. “Se
não o disse, com todas as letras, certamente foi Ruskin quem melhor ilustrou o
adágio, num conto antológico”.
A história é a seguinte:
"O homem chega à feira e lá encontra seu compadre, arrumando os peixes num
imenso tabuleiro de madeira. Cumprimentam- se. O feirante está contente com o
sucesso do seu modesto comércio. Entrou no negócio há poucos meses e já pôde
até comprar um quadro-negro pra badalar seu produto.
Atrás do balcão, num quadro-negro, está a mensagem, escrita a giz, em letras
caprichadas: HOJE VENDO PEIXE FRESCO. Pergunta, então, ao amigo e compadre:
- Você acrescentaria mais alguma coisa?
O compadre releu o anúncio. Discreto, elogiou a caligrafia. Como o outro
insistisse, resolveu questionar. Perguntou ao feirante :
- Você já notou que todo o dia é sempre hoje? - E acrescentou: - Acho
dispensável. Esta palavra está sobrando...
O feirante aceitou a ponderação: apagou o advérbio. O anúncio ficou mais enxuto.
VENDO PEIXE FRESCO.
- Se o amigo me permite - tornou o visitante -, gostaria de saber se aqui nessa
feira existe alguém dando peixe de graça. Que eu saiba, estamos numa feira. E
feira é sinônimo de venda. Acho desnecessário o verbo. Se a banca fosse minha,
sinceramente, eu apagaria o verbo.
O anúncio encurtou mais ainda: PEIXE FRESCO.
- Me diga uma coisa: Por que apregoar que o peixe é fresco? O que traz o
freguês a uma feira, no cais do porto, é a certeza de que todo peixe, aqui, é
fresco. Não há no mundo uma feira livre que venda peixe congelado...
E lá se foi também o adjetivo. Ficou o anúncio, reduzido a uma singela palavra:
PEIXE.
Mas, por pouco tempo. O compadre pondera que não deixa de ser menosprezo à
inteligência da clientela anunciar, em letras garrafais, que o produto aí
exposto é peixe. Afinal, está na cara. Até mesmo um cego percebe, pelo cheiro,
que o assunto, aqui, é pescado...
O substantivo foi apagado. O anúncio sumiu. O quadro-negro também. O feirante
vendeu tudo. Não sobrou nem a sardinha do gato. E ainda aprendeu uma preciosa
lição: escrever é cortar palavras."
P.S.
Ao contrário do que escreveu Luiz Ruffato, sua
viagem, citada no início do texto, resultou no ótimo livro Estive em Lisboa e lembrei de você.