Sou leigo em Psicologia e em todas as ciências da psique. Mas desconfio que a maioria dos nossos sofrimentos tem origem na infância. Por isso, acredito que a família tem papel decisivo na vida do sujeito, para o bem ou para o mal. Vista como instituição sagrada, e portanto inquestionável, ela é muitas vezes responsável por traumas irreversíveis, que podem se manifestar em forma de introspecção, agressividade, baixo autoestima, depressão...
Considerado “inimigo da família”, o psiquiatra José Ângelo Gaiarsa, falecido em 2010, dizia que o problema está no fato de não haver “escola de formação de pais”, tornando a missão de educar os filhos uma das tarefas mais difíceis do mundo. Despreparados, esses pais justificam todo tipo de maus-tratos como forma de “educar” os filhos.
Maus-tratos que não devem ser entendidos apenas como sinônimo de pancada. Ao contrário, para os filhos de criação muito rígida não há nada mais temeroso que o olhar duro, ou “castigo psicológico”, que às vezes causam mais estragos que a tão criticada palmada.
Para a maioria dos pais – dizia Gaiarsa – educar os filhos é repetir tudo o que aprendeu dos próprios pais — ainda que isso implique numa educação retrógrada e conservadora. Não por acaso, as neuroses nascem quase sempre das relações familiares.
O velho psiquiatra não poupava nem mesmo a figura (sagrada) da mãe. Para ele, a crença de pensar que mãe é para sempre constitui um “pecado” imperdoável. “Em todas as espécies, as mães cuidam dos filhos enquanto eles precisam de cuidados. No caso dos homens, não. Ninguém está preparado para esta separação. Ao contrário, é cada vez mais comum encontrar marmanjos vivendo dentro da casa da mãe santa e eterna, com tudo à mão. E, o que é pior, ela adora isso”.
Mas se é assim, por que irmãos, criados em um mesmo ambiente, costumam ser tão diferentes entre si? Ora, eles têm individualidades que os tornam diferentes. E se são diferentes, o amor dos pais por cada um dos filhos também é diferente – o que desfaz o tabu segundo o qual amamos todos os filhos da mesma forma. Esse “amor diferente” faz com que os pais atribuam diferentes papéis aos filhos.
Imaginemos então que a família é um teatro – o lar é o palco, os filhos são os atores e os pais os diretores. A cada um dos filhos-atores é atribuído pelos pais-diretores determinado papel, que de tanto ser repetido acaba sendo assimilado, (con)fundindo ator e personagem. Isso explica porque muitas famílias têm o filho-problema, o estudioso, o trabalhador, o preguiçoso...
Minha família não é diferente. A cada um de nós foi dado um papel por nossos pais, o qual ensaiamos na infância e ainda hoje encenamos no palco-vida. Somos sete irmãos, dos quais a maioria tem dificuldades, por exemplo, em dar a resposta certa, na hora exata. Dito de outra forma, “engolimos sapo”, "levamos desaforo pra casa”.
Foi no consultório da psicóloga S.M. que entendi isso. Ao revisitar minha infância me vi – pequeno e franzino como um sibite baleado – ouvindo, cabisbaixo, pais, tios, avós, e qualquer outro adulto.
- Responder os mais velhos é um pecado mortal – me “ensinavam”.
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quarta-feira, 19 de novembro de 2014
domingo, 16 de novembro de 2014
Muito doido
Minha infância foi cercada de loucos. Gente “abilolada” das ideias, desmiliolada: andarilhos, beberrões, mendigos, cachaceiros... Felizmente, eram todos pacíficos, diferentes dos que enlouquecem pelo uso de crack e outras porcarias atuais.
Seus nomes – cuja origem e significados nunca apurei – diziam muito de suas personalidades. O Derreta pedia a todo mundo dinheiro para beber cachaça; até aos crentes, que passavam por ele com suas bíblias debaixo do braço. Mas neste caso nunca confessava como seria aplicado o vil metal, e para convencer o freguês ainda citava o Provérbio:
- O que vê com bons olhos será abençoado, porque dá do seu pão ao pobre.
Depois de investir o dinheiro da mendicância, jogado nas calçadas, conversava sozinho e fazia gestos obscenos para as mocinhas que passavam. Sua memória, porém, era prodigiosa: mesmo no auge da bebedeira dava conta da vida de todo mundo da cidade.
Um dia minha tia Dedé – que diziam ser meio assanhada para os padrões da época e do lugar – perguntou-lhe:
- Você não tem vergonha de viver pedindo?
- Uns pedem, outros dão – retrucou o doido.
Outro zureta que permanecerá vivo para sempre em minha memória é o Café Paterrão. Magro, alto, barbudo e com grandes olheiras, ele era obcecado por café. Diziam inclusive que enlouquecera pelo excesso dessa bebida, que literalmente lhe tirava o sono.
Um dia bateu à nossa porta e pediu-nos, além do café, um cigarro. Não estando nossos pais, enrolamos um papel (sem fumo) e lhe demos. Ao acendê-lo, o fogo chamuscou sua barba. Praguejou as gerações passadas e futuras dos Gonçalves.
- Moleques, seus filhos do cão, vão tocar fogo na p. que os pariu. Vou contar tudo pro pai de vocês.
Já o Gringo não amaldiçoava ninguém. Tinha esse apelido porque vivera em Londres, antes de endoidecer. Diziam que ficou amalucado porque sua mulher o traíra, em plena cama do casal, enquanto ele dava aulas de inglês numa cidade vizinha.
Desde então entregou-se à bebida. E quando se embriagava formava-se um círculo de curiosos em torno dele para ouvi-lo falar um idioma fictício, produzido pelo álcool, que acreditávamos ser o autêntico inglês britânico.
Nem um doido, porém, me impressionou tanto como a Bina – uma mulher franzina, sem dentes e descabelada, com um saco nas costas – que permanece viva em meus pesadelos, mais de 30 anos depois.
Diferente dos outros malucos – andarilhos – ela tinha uma casa, que dividia com uma quantidade inconcebível de cachorros, ou melhor, de ferras que avançavam nos incautos que chegassem perto demais de sua dona.
Para alimentá-los, a tresloucada pedia ossos nos açougues; levados para sua casa-canil, eram roídos dia após dia pelos cães, exalando odor de morte e aparência de labirinto de minotauro.
Um dia, curioso e com medo, perguntei ao meu pai sobre os ossos mal cheirosos:
- Pai, que ossos são aqueles, na casa da Bina?
- São de crianças desobedientes, que ela carrega no saco, mata e dá aos cachorros – respondeu.
Ainda hoje sou um filho obediente.
Seus nomes – cuja origem e significados nunca apurei – diziam muito de suas personalidades. O Derreta pedia a todo mundo dinheiro para beber cachaça; até aos crentes, que passavam por ele com suas bíblias debaixo do braço. Mas neste caso nunca confessava como seria aplicado o vil metal, e para convencer o freguês ainda citava o Provérbio:
- O que vê com bons olhos será abençoado, porque dá do seu pão ao pobre.
Depois de investir o dinheiro da mendicância, jogado nas calçadas, conversava sozinho e fazia gestos obscenos para as mocinhas que passavam. Sua memória, porém, era prodigiosa: mesmo no auge da bebedeira dava conta da vida de todo mundo da cidade.
Um dia minha tia Dedé – que diziam ser meio assanhada para os padrões da época e do lugar – perguntou-lhe:
- Você não tem vergonha de viver pedindo?
- Uns pedem, outros dão – retrucou o doido.
Outro zureta que permanecerá vivo para sempre em minha memória é o Café Paterrão. Magro, alto, barbudo e com grandes olheiras, ele era obcecado por café. Diziam inclusive que enlouquecera pelo excesso dessa bebida, que literalmente lhe tirava o sono.
Um dia bateu à nossa porta e pediu-nos, além do café, um cigarro. Não estando nossos pais, enrolamos um papel (sem fumo) e lhe demos. Ao acendê-lo, o fogo chamuscou sua barba. Praguejou as gerações passadas e futuras dos Gonçalves.
- Moleques, seus filhos do cão, vão tocar fogo na p. que os pariu. Vou contar tudo pro pai de vocês.
Já o Gringo não amaldiçoava ninguém. Tinha esse apelido porque vivera em Londres, antes de endoidecer. Diziam que ficou amalucado porque sua mulher o traíra, em plena cama do casal, enquanto ele dava aulas de inglês numa cidade vizinha.
Desde então entregou-se à bebida. E quando se embriagava formava-se um círculo de curiosos em torno dele para ouvi-lo falar um idioma fictício, produzido pelo álcool, que acreditávamos ser o autêntico inglês britânico.
Nem um doido, porém, me impressionou tanto como a Bina – uma mulher franzina, sem dentes e descabelada, com um saco nas costas – que permanece viva em meus pesadelos, mais de 30 anos depois.
Diferente dos outros malucos – andarilhos – ela tinha uma casa, que dividia com uma quantidade inconcebível de cachorros, ou melhor, de ferras que avançavam nos incautos que chegassem perto demais de sua dona.
Para alimentá-los, a tresloucada pedia ossos nos açougues; levados para sua casa-canil, eram roídos dia após dia pelos cães, exalando odor de morte e aparência de labirinto de minotauro.
Um dia, curioso e com medo, perguntei ao meu pai sobre os ossos mal cheirosos:
- Pai, que ossos são aqueles, na casa da Bina?
- São de crianças desobedientes, que ela carrega no saco, mata e dá aos cachorros – respondeu.
Ainda hoje sou um filho obediente.
sexta-feira, 14 de novembro de 2014
Carta a Loiane
Loiane, você começou a existir para mim no exato momento em que desapareceu deste mundo. Eu estava lá, no fatídico dia 13 de junho de 2012, quando você foi atropelada e morta por uma BMW Z4, na avenida LO-03, em Palmas.
Quando ali cheguei, a vida se esvaía do seu corpo, com a certeza de que não vale a pena continuar existindo em um mundo no qual “os carros passam furiosamente pelas ruas e se cruzam velozes pelas praças; parecendo tochas, e correndo como relâmpago”, como previu o profeta Naum.
Um homem (provavelmente seu pai) se desfazia em lágrimas sobre seu corpo, já sem vida; um rapaz (vim a saber que é seu irmão) chutava o veículo – seu algoz – enquanto policiais tentavam contê-lo. O lamento dos dois nunca me saiu da memória...
- Quem é ela – perguntei a uma senhora presente no local do “acidente”.
- Se chamava Loiane Morena Vieira. Estudante de enfermagem. Tinha 22 anos, e era filha de uma grande amiga minha – respondeu objetivamente a mulher, que em seguida desapareceu entre os curiosos.
Te imaginei formada, toda vestida de branco, atendendo pacientes em um hospital, distribuindo sorrisos, brincando com crianças, vítimas de câncer, com seus tradicionais lenços na cabeça; conversando com idosos, largados nos hospitais por seus familiares, enquanto colhia-lhes sangue para exames.
Mas você desapareceu, foi extinta, abolida, anulada, apagada, eliminada, suprimida – deixou de ser um ser para tornar-se número da estatística policial. Você se tornou uma, das 43 mil pessoas que perdem a vida todos os anos todos os anos em acidentes de trânsito no Brasil, sem falar na dor das famílias que perdem parentes, e nas vítimas que ficam com sequelas.
Você não fará curativos, não ajudará a restaurar a saúde daqueles que sofrem nos nossos hospitais públicos, onde provavelmente trabalharia. Eu soube, de alguma forma, que a “ciência do cuidar” ficou mais pobre sem você, que seu conhecimento científico seria amplo e constantemente aprimorado.
Contudo, nunca iria sobrepor-se ao cuidado com aqueles que sofrem. Você seria, enfim, diferente de muitos que vestem branco, se dizem enfermeiros, mas são desumanizados após acostumarem-se com o sofrimento e a morte, comuns na maioria dos nossos hospitais.
Após sua partida, Loiane, tentaram te culpar por sua própria morte. Disseram que você estava lendo uma mensagem no celular e não prestou atenção antes de atravessar a avenida, fora da faixa de pedestre.
Mas não fique triste. Culpar a vítima é a estratégia – infame mas eficaz – mais usada pelos “bons” advogados: as mulheres são estupradas por usarem roupas curtas; a escola reprova porque o aluno é burro; o povo é pobre porque não gosta de trabalhar e os pedestres morrem porque não respeitam as leis de trânsito.
Portanto, Loiane, as coisas por aqui não mudaram muito, desde que você partiu.
Um homem (provavelmente seu pai) se desfazia em lágrimas sobre seu corpo, já sem vida; um rapaz (vim a saber que é seu irmão) chutava o veículo – seu algoz – enquanto policiais tentavam contê-lo. O lamento dos dois nunca me saiu da memória...
- Quem é ela – perguntei a uma senhora presente no local do “acidente”.
- Se chamava Loiane Morena Vieira. Estudante de enfermagem. Tinha 22 anos, e era filha de uma grande amiga minha – respondeu objetivamente a mulher, que em seguida desapareceu entre os curiosos.
Te imaginei formada, toda vestida de branco, atendendo pacientes em um hospital, distribuindo sorrisos, brincando com crianças, vítimas de câncer, com seus tradicionais lenços na cabeça; conversando com idosos, largados nos hospitais por seus familiares, enquanto colhia-lhes sangue para exames.
Mas você desapareceu, foi extinta, abolida, anulada, apagada, eliminada, suprimida – deixou de ser um ser para tornar-se número da estatística policial. Você se tornou uma, das 43 mil pessoas que perdem a vida todos os anos todos os anos em acidentes de trânsito no Brasil, sem falar na dor das famílias que perdem parentes, e nas vítimas que ficam com sequelas.
Você não fará curativos, não ajudará a restaurar a saúde daqueles que sofrem nos nossos hospitais públicos, onde provavelmente trabalharia. Eu soube, de alguma forma, que a “ciência do cuidar” ficou mais pobre sem você, que seu conhecimento científico seria amplo e constantemente aprimorado.
Contudo, nunca iria sobrepor-se ao cuidado com aqueles que sofrem. Você seria, enfim, diferente de muitos que vestem branco, se dizem enfermeiros, mas são desumanizados após acostumarem-se com o sofrimento e a morte, comuns na maioria dos nossos hospitais.
Após sua partida, Loiane, tentaram te culpar por sua própria morte. Disseram que você estava lendo uma mensagem no celular e não prestou atenção antes de atravessar a avenida, fora da faixa de pedestre.
Mas não fique triste. Culpar a vítima é a estratégia – infame mas eficaz – mais usada pelos “bons” advogados: as mulheres são estupradas por usarem roupas curtas; a escola reprova porque o aluno é burro; o povo é pobre porque não gosta de trabalhar e os pedestres morrem porque não respeitam as leis de trânsito.
Portanto, Loiane, as coisas por aqui não mudaram muito, desde que você partiu.
quarta-feira, 21 de maio de 2014
Da função do social do sebo
Palmas completou 25 anos, tem cerca de 250 mil habitantes, uma única livraria e nem um sebo. Sebo ou alfarrabista é o nome popular que se dá àqueles locais que compram, vendem e trocam livros usados.
Um livro de poesia na gaveta não adianta nada/
lugar de poesia é na calçada..
Cada Lugar Na Sua Coisa (Sérgio Sampaio)
O sebos cumprem função social importantíssima: a de
disseminar o conhecimento de forma mais acessível. Além disso, tornam-se pontos
culturais, locais de encontro daqueles que amam a literatura e a arte em geral.
Só conhece a importância de um bom e velho sebo quem já frequentou
um. Como são diferentes das tradicionais livrarias! Nos sebos os funcionários
são ‘livreiros’ – pessoas aptas a indicarem um bom livro, de acordo com o gosto
de cada cliente; que sabe onde está o livro procurado leitor/cliente.
Nos sebos, os livros mais conservados são mais caros. Pessoalmente,
prefiro aqueles sublinhados, com anotações, observações e comentários do(s)
primeiro(s) proprietário(s). É assim que faço com os meus. Não sou um leitor cortês.
Há algum tempo, um amigo me trouxe de Bogotá uma bela edição de La Hojarasca (A Revoada), de Gabriel García Márquez.
Emocionado, ao ver o título em espanhol, folheei com ansiedade o livro à
procura de alguma observação, uma simples frase em alguma página, e nada...
Serei sempre grato ao amigo colombiano, mas não me canso de xingar o(s) cabrón(es) que o leram antes de mim.
Voltando aos sebos, eles desempenham papel considerado essencial aos
historiadores, pesquisadores e leitores em
geral, como resumiu um ‘sebo virtual’ na página inicial de seu site. “Os
significados das palavras memória, preservação, cultura, educação e
conhecimento encontram no sebo um grande aliado.”
Ao discutir o assunto com um amigo, ele me disse que em época de
E-Book como a nossa, livro (sobretudo usado) é antiquando, além de muitas vezes
ser visto como “coisa de pobre”. A essa pessoa eu pensava propor uma sociedade
e, juntos, abrirmos um sebo. Acho que ele não está muito interessado...
Os livros vendidos nos sebos são em geral mais baratos.
Entretanto, existem obras caríssimas nestes locais. São aquelas com alto valor
histórico – livros raros, autografados, primeiras edições, os que levam
encadernações especiais... Além disso, os sebos são frequentados por pessoas
importantes, como juízes, políticos, advogados, cientistas, estudiosos,
colecionadores, amantes da leitura em geral.
Eu disse
que pensava em abrir um sebo. Não penso mais. E não é apenas por causa do meu
(fútil) amigo. É que me lembrei de um conselho do grande bibliófilo e acadêmico
brasileiro José Mindlin, falecido em 2010, que dizia o seguinte: “se você ama os
livros, leia-os. Não os venda”. Referia-se à sua malsucedida empreitada de possuir
uma livraria, na qual aconselhava os clientes a não comprarem certos livros,
que ele, Mindlin, pretendia ter em sua própria biblioteca.
P.S.
sexta-feira, 2 de maio de 2014
Não há ex-fumante e sim fumante em recuperação
O tabagismo é uma doença terrível que se alimenta de um
cigarro aceso. Li em algum lugar que do total de fumantes que fazem tratamento
para superar o vício, cerca de 30% voltam a fumar. E que a maioria das recaídas
(cerca de 60%) ocorre nos três primeiros meses de tratamento – a fase mais
crítica.
Isso talvez explique porque é comum conhecermos pessoas que
tenham deixado a bebida e até as drogas, mas raramente alguém que tenha
abandonado o cigarro. Esta semana uma colega que está escrevendo sobre o assunto
me ligou em busca de algum ex-fumante para ilustrar sua reportagem. Por mais
que me esforçasse, no momento não me lembrei de ninguém.
Desconfio que resida na aceitação social do cigarro uma das
grandes dificuldades em se deixar de fumar. O contrário acontece com o
dependente de drogas, que em geral tende a se excluir ou ser excluído do
convívio familiar e com os amigos. O mesmo acontece com os alcoólicos, já que a
bebida só é tolerada se o sujeito é capaz de “beber socialmente”.
Porém, quando alcoólicos e toxicômanos deixam o vício,
parecem mais conscientes que os fumantes: sabem que não podem ter recaídas. Já
o fumador acredita ser capaz de fumar apenas quando bebe, enquanto lê, ou antes
de dormir, e aí volta a fumar, às vezes até com mais intensidade que antes.
É uma pena que seja assim, pois o tabagismo – segundo o
Instituto Chico Anysio – é a maior causa evitável de doença e morte no planeta.
Mata mais que acidentes de trânsito, AIDS, homicídios, suicídios e incêndios –
juntos. É o único produto legal que mata metade de seus consumidores.
O cigarro está ligado aos cânceres de pulmão, laringe,
faringe, traqueia, esôfago, bexiga e mama. Causa envelhecimento precoce,
enfisema, bronquite crônica, trombose, infarto do miocárdio, gangrena,
osteoporose. Em grávidas, leva a descolamento prematuro de placenta, morte
fetal, nascimento de bebês de baixo peso e com predisposição a diversas
doenças.
Nada disso, porém, impede que mais de um bilhão de pessoas
no mundo ainda fumem. A cada ano, aproximadamente seis milhões morrem por causa
do tabagismo. “Se não forem adotadas medidas urgentes, ele poderá matar ao
longo do século XXI até um bilhão de pessoas”, alerta texto publicado no site
do Instituto Chico Anysio.
Por tudo isso, há sete meses, deixei de fumar. Para evitar
possíveis recaídas estou tentando me comportar – em relação ao cigarro – como
os alcoólicos anônimos: sou “fumante em recuperação”. Agradeço a Deus
por não ter fumado nas últimas 24 horas e peço-Lhe mais um dia sem cigarros.
Amém.
terça-feira, 22 de abril de 2014
O som da morte!
Descobri
que estou ficando velho no momento em que comecei a me incomodar com qualquer
barulho: TV, som automotivo, buzina de automóvel, grito de crianças e até o som
do apito do vendedor de algodão doce.
Minha
mulher me adverte que estou ficando “velho e ranzinza”, sempre que me ouve
excomungar os responsáveis pelos ruídos insuportáveis. Você é quem vai ficar um velho insuportável, me avisa.
Mas esse tipo de
estresse não é privilégio exclusivo deste quase ancião. Segundo a Organização
Mundial de Saúde, depois da água e do ar, a poluição sonora (constituída de qualquer ruído capaz de produzir
incômodo) é o problema ambiental que afeta o maior número de pessoas em todo o
mundo.
Desses ruídos –
segundo especialistas – podem resultar problemas como distúrbios
cardiovasculares e gastrointestinais, dor de cabeça, cansaço, irritabilidade,
estresse, distúrbios do sono, diminuição da atenção/concentração, aumento do
risco de acidentes de trabalho (pela falta de concentração), redução da
potência sexual, distúrbios da comunicação. Eu que o diga!
No meu caso, porém, o
ruído que mais me angustia é o das sirenes de viaturas da polícia, bombeiros e
ambulâncias. Aliás, nunca consegui diferenciá-los. Levei anos, e muitas sessões
de terapia, para descobrir a razão.
Pense, concentre-se no som de sirene – me pede a psicóloga
S.M. – e me conte tudo o que for “vendo”.
Deitado no divã tento imaginar, com dificuldade, o ruído insuportável...
Estou em Anápolis, no ano de 1997, ouço som de sirene. Do
banco de passageiros de uma ambulância vejo dois jovens, um loiro e um negro, jalecos
longos e brancos, tentam ressuscitar... minha mãe, derrame!
terça-feira, 15 de abril de 2014
Escrever é cortar palavras
Ruffato diz não ter vocação para blogueiro |
O escritor Luiz Ruffato
conta que descobriu, frustrado, não ter vocação para blogueiro. Em viagem a
Lisboa para atualizar um blog e escrever um livro, como parte do projeto Amores
Expressos, ele disse que não via nada de interessante que pudesse ser
comunicado a outras pessoas.
“Lisboa tem sol, mas não
calor ainda... tem luz e cheiro de sardinha nas ruas, encontro com os amigos,
converso com eles sobre projetos, mas nada que gostasse de dividir... sinto que
em minha vida de viajante nada ocorre de interessante...”
Descubro que também sou
péssimo blogueiro. Não tenho sobre o que escrever; fico horas parado em frente
ao computador (em plena madrugada) sonhando acordado com a palavra certa, o
parágrafo perfeito, o texto definitivo. E nada!
Li em algum lugar uma
entrevista do escritor Carlos Heitor Cony na qual ele diz que para escrever é
preciso estar cheio – no sentido de pleno. Estou vazio! Para me “encher” pego
um livro da minha pequena biblioteca, se é que se pode chamar assim... São
Bernardo, Graciliano Ramos. Que inveja do velho Graça. Esse sim tinha texto conciso...
Era um cortador de palavras. Fecho o livro.
Para Armando Nogueira, frase deve ser atribuída a Ruskin |
“Escrever é a arte de cortar
palavras”. De quem seria esta frase? Sempre a atribuí a Carlos Drummond de
Andrade. Mas o mestre Armando Nogueira dá conta de que o autor dessa preciosa máxima não é o grande poeta
mineiro. Confesso que fiquei decepcionado com a descoberta.
Continuo minha busca pelo autor
de ensinamento tão sábio. Saudade da Britânica, que dava um banho nesse Google. A velha enciclopédia não será mais
publicada em versão impressa – após 244 anos desde
que seu primeiro exemplar foi publicado.
Melhor esquecer o buscador e
a enciclopédia e voltar ao velho e bom Armando Nogueira. Ele chegou à conclusão
de que a frase deve ser atribuída ao escritor inglês John Ruskin. “Se
não o disse, com todas as letras, certamente foi Ruskin quem melhor ilustrou o
adágio, num conto antológico”.
A história é a seguinte:
"O homem chega à feira e lá encontra seu compadre, arrumando os peixes num imenso tabuleiro de madeira. Cumprimentam- se. O feirante está contente com o sucesso do seu modesto comércio. Entrou no negócio há poucos meses e já pôde até comprar um quadro-negro pra badalar seu produto.
"O homem chega à feira e lá encontra seu compadre, arrumando os peixes num imenso tabuleiro de madeira. Cumprimentam- se. O feirante está contente com o sucesso do seu modesto comércio. Entrou no negócio há poucos meses e já pôde até comprar um quadro-negro pra badalar seu produto.
Atrás do balcão, num quadro-negro, está a mensagem, escrita a giz, em letras caprichadas: HOJE VENDO PEIXE FRESCO. Pergunta, então, ao amigo e compadre:
- Você acrescentaria mais alguma coisa?
O compadre releu o anúncio. Discreto, elogiou a caligrafia. Como o outro insistisse, resolveu questionar. Perguntou ao feirante :
- Você já notou que todo o dia é sempre hoje? - E acrescentou: - Acho dispensável. Esta palavra está sobrando...
- Se o amigo me permite - tornou o visitante -, gostaria de saber se aqui nessa feira existe alguém dando peixe de graça. Que eu saiba, estamos numa feira. E feira é sinônimo de venda. Acho desnecessário o verbo. Se a banca fosse minha, sinceramente, eu apagaria o verbo.
O anúncio encurtou mais ainda: PEIXE FRESCO.
- Me diga uma coisa: Por que apregoar que o peixe é fresco? O que traz o freguês a uma feira, no cais do porto, é a certeza de que todo peixe, aqui, é fresco. Não há no mundo uma feira livre que venda peixe congelado...
E lá se foi também o adjetivo. Ficou o anúncio, reduzido a uma singela palavra: PEIXE.
Mas, por pouco tempo. O compadre pondera que não deixa de ser menosprezo à inteligência da clientela anunciar, em letras garrafais, que o produto aí exposto é peixe. Afinal, está na cara. Até mesmo um cego percebe, pelo cheiro, que o assunto, aqui, é pescado...
O substantivo foi apagado. O anúncio sumiu. O quadro-negro também. O feirante vendeu tudo. Não sobrou nem a sardinha do gato. E ainda aprendeu uma preciosa lição: escrever é cortar palavras."
P.S.
Ao contrário do que escreveu Luiz Ruffato, sua
viagem, citada no início do texto, resultou no ótimo livro Estive em Lisboa e lembrei de você.
quarta-feira, 9 de abril de 2014
Família é pra essas coisas
Quem escreve quer ser lido. Quem é lido é criticado. E a pior crítica, pra quem escreve, é ser ignorado.
E as melhores críticas são sempre aqueles feitas pela família. Graças a Deus, minha família acompanha meu trabalho, com grande interesse.
Quando eu trabalhava no Jornal do Tocantins fazia mais de dois anos uma pessoa da minha me perguntou:
- Rubens, em que jornal você trabalha mesmo?"
Essa mesma pessoa me perguntou, anos depois:
- Rubens, em que rádio você trabalha, é na Jovem Palmas?
Fazia cinco anos que eu estava na 96 FM.
Na semana passada, todo feliz, mostrei à minha filha caçula (8 anos de idade) um texto que eu havia acabado de postar neste blog.
- Filha, leia e me explique o que você entendeu...
Ao ler a primeira linha:
- Não entendi nada, esse texto tá cheio de erros...
E as melhores críticas são sempre aqueles feitas pela família. Graças a Deus, minha família acompanha meu trabalho, com grande interesse.
Quando eu trabalhava no Jornal do Tocantins fazia mais de dois anos uma pessoa da minha me perguntou:
- Rubens, em que jornal você trabalha mesmo?"
Essa mesma pessoa me perguntou, anos depois:
- Rubens, em que rádio você trabalha, é na Jovem Palmas?
Fazia cinco anos que eu estava na 96 FM.
Na semana passada, todo feliz, mostrei à minha filha caçula (8 anos de idade) um texto que eu havia acabado de postar neste blog.
- Filha, leia e me explique o que você entendeu...
Ao ler a primeira linha:
- Não entendi nada, esse texto tá cheio de erros...
terça-feira, 8 de abril de 2014
Sobre garis e outras invisibilidades
Minha
infância e adolescência foram de trabalho duro. Meu pai se levantava ao
primeiro galo e nos chamava. Eu e meus dois irmãos. “Vamos, meninos, alguém
precisa fazer o trabalho sujo”. Éramos garis.
Mas
a palavra ‘gari’ ainda não existia. O eufemismo surgiu bem depois, pelo menos
para os moradores da pequena Nova Glória, interior de Goiás. Por isso éramos ‘lixeiros’.
Apenas
meu pai recebia – um salário mínimo – pela limpeza da cidade. O lixo era
transportado numa carroça que tínhamos, do tempo em que ainda vivíamos na fazenda,
de onde meus pais se mudaram para que pudéssemos estudar.
Toneladas de lixo eram transportadas por nossa égua russinha... Éramos apenas ajudantes - peças do mecanismo de exploração na engrenagem do poder público municipal, numa sociedade dita avançada que escondia (e esconde) formas contemporâneas de escravidão.
Toneladas de lixo eram transportadas por nossa égua russinha... Éramos apenas ajudantes - peças do mecanismo de exploração na engrenagem do poder público municipal, numa sociedade dita avançada que escondia (e esconde) formas contemporâneas de escravidão.
Isso
foi no início da década de 1980. Eu tinha então sete anos (um irmão de nove e
outro de cinco), mas já desconfiávamos de algo que só viria a ser cientificamente
demonstrado no Brasil em 2004: os garis são invisíveis.
A “descoberta”
foi feita pelo psicólogo e professor Fernando Braga da Costa, que varreu rua por
quase dois anos ao lado dos responsáveis pela limpeza da Cidade
Universitária, em São Paulo.
A
pesquisa participante resultou no ótimo livro Homens invisíveis: relatos de uma humilhação social. “O ofício de
gari parece acentuadamente atravessado por um fenômeno de gênese e expressão
intersubjetivas: a invisibilidade pública – espécie de desaparecimento
psicossocial de um homem no meio de outros homens”, escreveu o pesquisador.
De
fato, só sentimos falta dos garis quando eles entram em greve e lixo mal
cheiroso que produzimos se acumula em nossas calçadas. Como os mendigos, os garis nos fazem
lembrar a nossa própria miséria. Por isso os repelimos, e eles desaparecem.
Assim,
perdemos a oportunidade de aprender com eles, como aprendeu Fernando Braga. “Os
garis abriram meus olhos. Alguma consciência emergiu. Passei a ver coisas que
não via. Passei a ouvir coisas que não ouvia. Passei a sofrer por coisas pelas
quais não sofria (...)”.
Sofrimento
e humilhação. Estas são as únicas coisas das quais me lembro dos três anos em
que trabalhei como gari, apesar de não me envergonhar do que fiz, porque meu pai
também fazia, e me orgulho dele...
Numa
manhã de sábado, na Avenida Paulista, centro de Nova Glória, em frente a uma máquina de beneficiar arroz,
meu pai apanhou o lixo que íamos juntando, alguns metros à
frente. Um rapaz alto, branco e antipático jogou lixo na rua pouco depois que meu velho passou limpando.
- O que você acha que nós somos? – Perguntou papai, fazendo um círculo com o indicador.
- Nada.
São lixeiros...
- O que você acha que nós somos? – Perguntou papai, fazendo um círculo com o indicador.
quinta-feira, 3 de abril de 2014
Mulheres, piolhos e outras semelhanças
Relendo
as memórias de Gabriel Garcia Márquez (Gabito, para os íntimos) descubro, com alegria,
que temos muito em comum – exceto sua escrita, imaginação e memória.
Venho de uma família grande e pobre. Ele também. Fiz quase tudo na infância e adolescência para sobreviver – fui engraxate, gari, garçom, bóia fria, garimpeiro, digitador... O escritor colombiano também teve muitas profissões para ajudar a família ou para comprar gibis, jornais, livros e revistas.
Mas gostaria de falar de apenas dois aspectos, da minha vida e da dele, que acredito terem muita semelhança: a vergonha dos piolhos e o amor às mulheres.
Na zona rural do município de Ceres, onde nasci, no interior de Goiás, não tinha muito que fazer, a não ser o trabalho duro na roça. Ali, esperava-se a morte com ansiedade. Não a própria morte, mas a de algum vizinho, cujo velório reunia uma multidão saída sabe-se lá de onde. Como não tinham com quem deixar os filhos, meus pais levavam uma fileira de meninos e meninas pelo beco estreito feito pelo gado no meio do pasto.
Um dia, num desses velórios, meu pai me contou que quando uma pessoa morre os piolhos descem para o rosto do defunto à procura de sangue, que para de circular, ficando com a consistência de uma goiabada. E que quem pega piolho de defunto nunca mais se livra da praga. Assustado, pedi à minha mãe que, quando eu morresse, catasse de mim todos os piolhos, ou rapasse minha cabeça para que meus amigos não vissem meu rosto infestado dos insetos achatados.
“Até os cinco anos, a morte havia sido, para mim, um fim natural que acontece aos outros (...). Até que meio de esguelha reparei, num velório, que os piolhos estavam escapando dos cabelos do morto e caminhavam sem rumo pelo travesseiro. O que me inquietou desde então não foi o medo da morte e sim a vergonha de que também de mim escapassem os piolhos diante dos que estivessem enlutados em meu velório”, escreveu o Nobel de literatura.
Já a convivência com as mulheres – ao contrário dos piolhos – é um privilégio que Garcia Márquez e eu sempre tivemos. “Acho que, na verdade, eu devo a essência da minha maneira de ser às mulheres da família e às muitas das empregadas que pastorearam a minha infância. Eram de um gênio forte e coração terno, e me tratavam com a mesma naturalidade do paraíso terrenal”. Como ele, eu tenho mais irmãs que irmãos, mais primas que primos, mais amigas que amigos... Talvez por isso, sempre me senti melhor entre elas do que entre os homens.
P.S.
Vem também da minha infância o medo que tenho de dor de dente. Surgiu num velório, quando perguntei:
- Pai, por que essa velha (a morta) tá com esse pano amarrado do queixo pra cabeça?
- Ela morreu de dor de dente...
Venho de uma família grande e pobre. Ele também. Fiz quase tudo na infância e adolescência para sobreviver – fui engraxate, gari, garçom, bóia fria, garimpeiro, digitador... O escritor colombiano também teve muitas profissões para ajudar a família ou para comprar gibis, jornais, livros e revistas.
Mas gostaria de falar de apenas dois aspectos, da minha vida e da dele, que acredito terem muita semelhança: a vergonha dos piolhos e o amor às mulheres.
Na zona rural do município de Ceres, onde nasci, no interior de Goiás, não tinha muito que fazer, a não ser o trabalho duro na roça. Ali, esperava-se a morte com ansiedade. Não a própria morte, mas a de algum vizinho, cujo velório reunia uma multidão saída sabe-se lá de onde. Como não tinham com quem deixar os filhos, meus pais levavam uma fileira de meninos e meninas pelo beco estreito feito pelo gado no meio do pasto.
Um dia, num desses velórios, meu pai me contou que quando uma pessoa morre os piolhos descem para o rosto do defunto à procura de sangue, que para de circular, ficando com a consistência de uma goiabada. E que quem pega piolho de defunto nunca mais se livra da praga. Assustado, pedi à minha mãe que, quando eu morresse, catasse de mim todos os piolhos, ou rapasse minha cabeça para que meus amigos não vissem meu rosto infestado dos insetos achatados.
“Até os cinco anos, a morte havia sido, para mim, um fim natural que acontece aos outros (...). Até que meio de esguelha reparei, num velório, que os piolhos estavam escapando dos cabelos do morto e caminhavam sem rumo pelo travesseiro. O que me inquietou desde então não foi o medo da morte e sim a vergonha de que também de mim escapassem os piolhos diante dos que estivessem enlutados em meu velório”, escreveu o Nobel de literatura.
Já a convivência com as mulheres – ao contrário dos piolhos – é um privilégio que Garcia Márquez e eu sempre tivemos. “Acho que, na verdade, eu devo a essência da minha maneira de ser às mulheres da família e às muitas das empregadas que pastorearam a minha infância. Eram de um gênio forte e coração terno, e me tratavam com a mesma naturalidade do paraíso terrenal”. Como ele, eu tenho mais irmãs que irmãos, mais primas que primos, mais amigas que amigos... Talvez por isso, sempre me senti melhor entre elas do que entre os homens.
P.S.
Vem também da minha infância o medo que tenho de dor de dente. Surgiu num velório, quando perguntei:
- Pai, por que essa velha (a morta) tá com esse pano amarrado do queixo pra cabeça?
- Ela morreu de dor de dente...
domingo, 30 de março de 2014
O Brasil é isolado pelo mar e pelo espanhol
“O Brasil é um país isolado pelo mar e pelo espanhol”. A frase do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso (de quem discordo politicamente, mas reconheço como intelectual) reflete
nossa falta de integração com nossos vizinhos, em grande parte por causa do
idioma.
Estudo espanhol há muitos anos e, para praticar a língua de Cervantes, costumava entrar nas (hoje fora de moda) salas de bate-papo (chats) na internet. Ali “encontrava” mexicano, argentino, colombiano, boliviano, estadunidense, canadense, espanhol, alemão, mas nunca brasileiro.
Por causa desse distanciamento perdemos a oportunidade de saber sobre nossos vizinhos. Entretanto, nos informamos sobre o que se passa nos Estados Unidos, Ásia e Europa, onde estão os correspondentes das nossas emissoras de televisão.
Enquanto olhamos para o distante, ignoramos a beleza do cinema argentino, por exemplo – que já ganhou dois Oscar, com A história oficial (1985) e O segredo dos seus olhos (2010).
Sabemos quase nada também a respeito da música colombiana, salvo uma ou outra canção tema de novela como Para tu amor, de Juanes, e algumas da pop star Shakira, conhecida no mundo inteiro.
Somos todos latinos, mas nós, brasileiros, acreditamos que nos bastamos a nós mesmos, ou seja, não nos reconhecemos como latinoamericanos. Temos a impressão de que nossa língua e nossa diversidade cultural nos fazem auto-suficientes.
É uma pena, pois perdemos a oportunidade de aprender muito, afinal, a língua espanhola é terceira mais falada no mundo – atrás apenas do inglês e do mandarim – e não se limita apenas aos falantes de língua materna, que já ultrapassa os 350 milhões de pessoas.
E esse número cresce a cada ano pela quantidade de pessoas que aprendem o idioma como língua estrangeira, se destacando também no mundo comercial, principalmente na comunidade europeia, onde é a segunda língua mais utilizada – perdendo apenas para o inglês. Vem alcançando também um número considerável de internautas, sendo atualmente a terceira língua mais utilizada na internet.
No entanto, como tudo no Brasil, a obrigatoriedade não garantiu a oferta do ensino do idioma nas escolas públicas. No Tocantins, por exemplo, não há 50 professores de espanhol concursados, para os 139 municípios.
Se nada for feito, correremos o risco de transformar o ensino da língua espanhola na escola pública o que há anos acontece com o inglês – idioma no qual nossos jovens raramente vão além do verbo to be...
Estudo espanhol há muitos anos e, para praticar a língua de Cervantes, costumava entrar nas (hoje fora de moda) salas de bate-papo (chats) na internet. Ali “encontrava” mexicano, argentino, colombiano, boliviano, estadunidense, canadense, espanhol, alemão, mas nunca brasileiro.
Por causa desse distanciamento perdemos a oportunidade de saber sobre nossos vizinhos. Entretanto, nos informamos sobre o que se passa nos Estados Unidos, Ásia e Europa, onde estão os correspondentes das nossas emissoras de televisão.
Enquanto olhamos para o distante, ignoramos a beleza do cinema argentino, por exemplo – que já ganhou dois Oscar, com A história oficial (1985) e O segredo dos seus olhos (2010).
Sabemos quase nada também a respeito da música colombiana, salvo uma ou outra canção tema de novela como Para tu amor, de Juanes, e algumas da pop star Shakira, conhecida no mundo inteiro.
Somos todos latinos, mas nós, brasileiros, acreditamos que nos bastamos a nós mesmos, ou seja, não nos reconhecemos como latinoamericanos. Temos a impressão de que nossa língua e nossa diversidade cultural nos fazem auto-suficientes.
É uma pena, pois perdemos a oportunidade de aprender muito, afinal, a língua espanhola é terceira mais falada no mundo – atrás apenas do inglês e do mandarim – e não se limita apenas aos falantes de língua materna, que já ultrapassa os 350 milhões de pessoas.
E esse número cresce a cada ano pela quantidade de pessoas que aprendem o idioma como língua estrangeira, se destacando também no mundo comercial, principalmente na comunidade europeia, onde é a segunda língua mais utilizada – perdendo apenas para o inglês. Vem alcançando também um número considerável de internautas, sendo atualmente a terceira língua mais utilizada na internet.
No Brasil, a proximidade com as fronteiras de países
hispanofalantes e o aumento das relações comerciais impulsionadas pelo Mercosul,
levaram o governo brasileiro a introduzir a língua espanhola como oferta
obrigatória nas escolas, por meio da Lei nº 11.161, em 05 de agosto de 2005,
conhecida com a Lei do Espanhol.
No entanto, como tudo no Brasil, a obrigatoriedade não garantiu a oferta do ensino do idioma nas escolas públicas. No Tocantins, por exemplo, não há 50 professores de espanhol concursados, para os 139 municípios.
Se nada for feito, correremos o risco de transformar o ensino da língua espanhola na escola pública o que há anos acontece com o inglês – idioma no qual nossos jovens raramente vão além do verbo to be...
sábado, 29 de março de 2014
O mito da raça
Importante reflexão sobre o mito da raça. Não existem raças, o que há é uma única raça, a humana!!!
sexta-feira, 28 de março de 2014
Da difícil vida dos políticos
Já ouvi inúmeros deputados e vereadores me dizerem que eles, os
políticos, são “mal vistos” pela sociedade por culpa de “vocês, da imprensa”. É mesmo, excelências?
E eu que sempre imaginei que a crise de representatividade no
Legislativo estivesse associada ao fato de muitos parlamentares não serem vistos com muita frequência nas sessões, comparecendo somente após determinação do
Executivo para votar, contra ou a favor, deste ou ou daquele projeto...
Porque suas excelências são eleitas pela oposição e depois vão para o governo – e vice-versa...
Por mudarem de partido sob qualquer pretexto, ou brecha na lei, por
eles elaboradas...
Por aprovarem seus próprios salários, 35 vezes maior que a média
nacional, sem contar todas as benesses do cargo, como verba de gabinete, viagens
oficiais e verba indenizatória...
Por só extinguirem outras benesses – auxílio-moradia, sessões
extras remuneradas, 14º e 15º salários –
após ações judiciais e críticas na imprensa...
Por aprovarem qualquer aumento de salário e criação de “vantagens” aos
representantes dos demais poderes – Judiciário e Executivo – e fazerem ouvidos
moucos para o clamor de professores, policiais e outros servidores públicos...
Por defenderem “os mais necessitados” somente nos palanques, e nunca da tribuna do parlamento, após a eleição...
Por entrarem e sair da casa de leis pela porta dos fundos, evitando
encontrar com os pobres que lotam seus gabinetes em busca do emprego prometido durante a eleição...
A lista é longa e sei que seu tempo é curto, caro leitor. Por isso, voltaremos a falar
sobre esse tema.
P. S.
Qualquer semelhança com a realidade, excelências, não é mera
coincidência.
quinta-feira, 27 de março de 2014
A inveja é uma m...
Mais
dois dedos de prosa sobre a inveja.
O
escritor americano Gore Vidal padecia de inveja.
Com uma carreira bem sucedida, Vidal, falecido em 2012, era um invejoso diferente. Ele confessava o
problema e ainda fazia terapia para se curar.
Certa
vez, ao ser questionado sobre a forma como lidava com o sucesso de seus colegas,
ele respondeu: “Quando um dos meus amigos tem sucesso, alguma coisa em mim se
apaga”.
Nelson
Rodrigues também sofria de inveja. Teria
confessado o sentimento após a morte de Guimarães Rosa. “A notícia deu-me um alívio,
uma brusca e vil euforia. É fácil admirar, sem ressentimento, um gênio morto.”
Machado
de Assis, considerado o maior escritor brasileiro, teria escrito seu grande
romance Memórias Póstumas de Brás Cubas
“movido” pelo sentimento de inveja
que sentia pelo português Eça de Queiroz, autor de O primo Basílio...
P.S.
A
seguir, alguns links com sugestões de leitura para quem se interessou e quer saber um pouco mais sobre o assunto:
quarta-feira, 26 de março de 2014
No creo em brujas, pero que las hay, las hay
O tema
inveja sempre me interessou. Inveja
como tese, claro, não o sentimento em si. Meu interesse pelo assunto foi
despertado pelo jornalista e escritor Zuenir Ventura, com seu livro Inveja – mal secreto (Editora Objetiva).
O
livro prende a atenção do leitor logo nas primeiras páginas, nas quais Zuenir
adverte sobre estas importantes distinções: “aos que pretendem empreender essa
viagem, o autor pede que levem consigo, para o caso de se perderem, três distinções
básicas: ciúme é querer manter o que se tem; cobiça é querer o que não se tem;
inveja é não querer que o outro tenha”.
Parte
integrante da coleção Plenos Pecados –
que discute os sete pecados capitais – mal
secreto é muito mais que um livro sobre inveja.
É um delicioso relato sobre alguém que está escrevendo um livro sobre inveja.
Ensinamentos
Diferente
de outros pecados – como a gula e a luxúria – a inveja é de fato um mal
secreto. Quem a possui esconde. Vive num mundo de trevas...
Desta
forma, ninguém é invejoso. Todos são
invejados. Aliás, sentir-se invejado é uma das principais características dos invejosos. E quem, afinal, não conhece
alguém que se diz “invejado”?
Outra
informação importante sobre esse tenebroso mal é que, segundo Zuenir e outros
invejólogos, não existem inveja boa
ou inveja branca. Desconfio,
inclusive, que o último termo é racista!
O argumento para a inveja boa parece ser o mesmo dos que se dizem invejados: ambos têm
a função de atenuar a vergonha que se tem do sentimento de inveja.
Vale
destacar ainda que a inveja se
manifesta entre iguais. No ambiente de trabalho, por exemplo. Por isso,
costuma-se dizer que rei inveja rei e
mendigo inveja mendigo.
Portanto,
não se sinta culpado por achar que inveja
algum cantor, ator ou escritor famoso – a não ser que você seja um destes.
Vamos
parando por aqui, porque este assunto rende páginas e páginas. Pessoalmente,
morro de inveja de quem tem a capacidade
de sintetizar o que escreve...
P.S.
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