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sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Carta a Loiane

Loiane, você começou a existir para mim no exato momento em que desapareceu deste mundo. Eu estava lá, no fatídico dia 13 de junho de 2012, quando você foi atropelada e morta por uma BMW Z4, na avenida LO-03, em Palmas.

Quando ali cheguei, a vida se esvaía do seu corpo, com a certeza de que não vale a pena continuar existindo em um mundo no qual “os carros passam furiosamente pelas ruas e se cruzam velozes pelas praças; parecendo tochas, e correndo como relâmpago”, como previu o profeta Naum.

Um homem (provavelmente seu pai) se desfazia em lágrimas sobre seu corpo, já sem vida; um rapaz (vim a saber que é seu irmão) chutava o veículo – seu algoz – enquanto policiais tentavam contê-lo. O lamento dos dois nunca me saiu da memória...

- Quem é ela – perguntei a uma senhora presente no local do “acidente”. 

- Se chamava Loiane Morena Vieira. Estudante de enfermagem. Tinha 22 anos, e era filha de uma grande amiga minha – respondeu objetivamente a mulher, que em seguida desapareceu entre os curiosos.

Te imaginei formada, toda vestida de branco, atendendo pacientes em um hospital, distribuindo sorrisos, brincando com crianças, vítimas de câncer, com seus tradicionais lenços na cabeça; conversando com idosos, largados nos hospitais por seus familiares, enquanto colhia-lhes sangue para exames.

Mas você desapareceu, foi extinta, abolida, anulada, apagada, eliminada, suprimida – deixou de ser um ser para tornar-se número da estatística policial. Você se tornou uma, das 43 mil pessoas que perdem a vida todos os anos todos os anos em acidentes de trânsito no Brasil, sem falar na dor das famílias que perdem parentes, e nas vítimas que ficam com sequelas.

Você não fará curativos, não ajudará a restaurar a saúde daqueles que sofrem nos nossos hospitais públicos, onde provavelmente trabalharia. Eu soube, de alguma forma, que a “ciência do cuidar” ficou mais pobre sem você, que seu conhecimento científico seria amplo e constantemente aprimorado. 

Contudo, nunca iria sobrepor-se ao cuidado com aqueles que sofrem. Você seria, enfim, diferente de muitos que vestem branco, se dizem enfermeiros, mas são desumanizados após acostumarem-se com o sofrimento e a morte, comuns na maioria dos nossos hospitais.

Após sua partida, Loiane, tentaram te culpar por sua própria morte. Disseram que você estava lendo uma mensagem no celular e não prestou atenção antes de atravessar a avenida, fora da faixa de pedestre.

Mas não fique triste. Culpar a vítima é a estratégia – infame mas eficaz – mais usada pelos “bons” advogados: as mulheres são estupradas por usarem roupas curtas; a escola reprova porque o aluno é burro; o povo é pobre porque não gosta de trabalhar e os pedestres morrem porque não respeitam as leis de trânsito.

Portanto, Loiane, as coisas por aqui não mudaram muito, desde que você partiu.

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